13/05/12

As favas e tudo o resto

Estava a descascar favas no outro dia e a minha memória levou-me para longe. Para outros tempos. Para o teu quintal, a tua casa onde tantas vezes nos encontramos todos para almoçar aquelas sardinhadas valentes.
Depois dei-me conta de que, estranhamente, o que sinto é como se de algum modo tivesses entrado num estado de inacessibilidade, como os doentes de Alzeimer que estão presentes mas já não são quem eram.
Fico com a imagem do que sempre foste para mim, o pai que a vida me tirou cedo mas deixou-me a tua presença no seu lugar. Esse era para mim, o teu lugar... Eras o meu Pai.
E um dia quiseste deixar de ser. E eu, tola, aceitei.
E o tempo passou, a ferida fechou mas a cicatriz era grossa e não deixou lugar para reabrir e/ou sarar o que tinha ficado a magoar.

Nada do que eu sinto em relação à memória que eu guardo de ti serve para esquecer o que de mau se passou ao longo desses 4 anos.
Conheci facetas tuas que quem me dera não ter conhecido.
Assisti atitudes imaturas que a tua idade não devia permitir.
Questionei ideias e ideais... conclui que muitas coisas não eram tão cor-de-rosa como eu queria acreditar.
E apesar de  tudo isso, guardo com alegria a imagem do que foste para mim. É como se este novo tu fosse outra pessoa.
Porque daquela pessoa guardo o carinho e a ternura com que me tratavas. Guardo a boa disposição e a alegria, mesmo quando o dia não era de sol. Recordo-me de ti pelas favas, pelo doce de tomate, pelas pataniscas de bacalhau, pelo perfume Loewe, pelo gosto pelos peixes/ambiente marinho.
Acreditas que ainda hoje quando vejo tâmaras no supermercado penso sempre em trazer para fazer o bolo de que tu gostavas tanto...?

São estas a memórias que vou guardar de ti. Hoje, que ainda estás em vida e depois, um dia, quando já não estiveres...
E são estas as memórias que quero guardar.
Só estas.

1 comentário:

  1. olha minha amiga estamos no mesmo barco.
    eu já não tenho pai e a minha mãe está como o teu pai há tambem 4 anos. é penoso para quem está com eles e tens razão são outras pessoas mesmo. é só a parte do corpo nada mais. as manifestações de carinho já foram o riso já foi e permaneçem no mundo deles sem manifestações e nós perdemo-los ainda em vida

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