21/07/13

"Marias" da Vida

Maria não se conseguia recordar da ultima vez que fizera uma "rebeldia" daquele tipo (nem sequer se alguma vez o teria feito):
Ligara para o marido e inventara uma urgência no trabalho.
Não, este não era o início de mais um caso de infidelidade. Era só o abrir de uma janela, para sentir o ar entrar-lhe para os pulmões, poder respirar um pouco para si mesma.
Aquela rotina consumia-a de tal maneira que se sentia curvada, vergada face a inexistência de si mesma.
Os três filhos, que rotativamente (quando não em simultâneo) lhe retiravam as horas de sono... o trabalho estagnado e sem qualquer tipo de perspetiva ou de estímulo... um casamento que, não sendo infeliz, cedia diariamente à rotina... Todas essas situações lhe retiravam as forças, primeiro mentais e agora também físicas.
Não conseguia ter força para aplicar um anti rugas, nem um rímel nos olhos.
Vestir-se tornou-se numa tarefa tão interessante como arrumar os detergentes no armário. E convenhamos, quem é que conseguir exalar alguma sensualidade com um filho ao colo, outro pela mão e outro ainda a insistir em testar os limites com birras...? (A Angelina Jollie, claro, com a ajuda das amas)
Assim, mordia o lábio num sentimento de culpa enquanto dizia a João que não tinha mesmo ninguém que a pudesse substituir naquele fim de dia e que se ele achava melhor pedir a ajuda da mãe, que o fizesse.

Sem olhar para trás, saiu do trabalho às 6 como todos os dias, mas em vez de ir a correr pelo caminho mais curto em direção ao carro foi à volta, calma e tranquila. Aproveitou para ver montras, descobriu lojas novas que podia apostar não existirem ali da ultima vez que lá passara. Passou num quiosque, comprou uma revista que folheou calma e tranquilamente enquanto saboreava uma cerveja fresca sentada numa esplanada. E por uma meia hora, conseguiu desviar-se da correria que se desenrolava ali à volta - pais a buscar os filhos às escolas, a pressa no passo, as compras na mercearia daquilo que faltava para o jantar - correria da qual ela mesma era peão todos os dias nos últimos dias dos últimos anos.
Sentia que a respiração havia desacelerado.
Sentia até que via o mundo de um lado de fora da janela. Censurava a pressa, porque agora estava calma.
Depois da azafama da hora de ponta, Ana entrou sozinha num dos seus restaurantes preferidos. Era a segunda opção porque o primeiro da sua lista mental estava fechado, "havia já 4 anos" - disse-lhe uma senhora que passava na rua. Ainda assim, comeu aquela pasta com cogumelos como se se tratasse de um manjar. E assim o era, principalmente porque não fora feita por si, nem sequer na correria entre banhos, sopas de peixe e fruta passada.
Depois de todo aquele extra, Maria meteu-se no carro, passou a ponte, apreciou a lua durante a travessia e quando rodou a chave na fechadura da porta de casa sentiu, às 22:00 e depois de 4 horas só para si mesma, que tinha conseguido se reencontrar. Beijou cada um dos seus três filhos, já a dormir, com uma saudade de que não se lembrava de sentir e entregou-se ao colo do João enquanto sua mulher... como também não se lembrara de fazer há muito tempo.
E dormiu uma das noites mais descansadas de que havia memória.

Quantas Marias destas haverão por aí...?

(imagem: tumblr)

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