10/11/13

Como é normal...

Como podiam as pessoas achar o mesmo? Estavam todos loucos?
Como podiam, sequer, comparar as duas situações?
O que tinha a ver uma relação como a deles com a nossa relação?
Incomparável, é aquilo que lhe ocorria dizer...
Carla estava indignada. A sua mãe fora vítima de violência doméstica, vítima de violência física e psicológica. De uma relação que, depois de acabada, deixou mazelas quase irrecuperáveis, deixou-a desfeita emocionalmente e com uma negada incapacidade de amar novamente.
Agora a sua relação, ainda recente, com Miguel estava a ser contestada, rotulada com uma comparação constante.
Não! A minha mãe era desprezada. Era assustada por gestos bruscos. Era induzida a ficar em casa a não ter amigos, a não sair nem falar com outras pessoas.
Eu não. Nós não.
Ele não me despreza. Só que há dias que ele tem menos paciência, por isso não fala tanto comigo. E eu fico em casa porque quero, porque eu sei que ele gosta que eu esteja em casa quando ele chega  e como nunca sei quando ele vai chegar, vou ficando. E não deixei de falar com ninguém por causa dele. Deixei de falar porque... bem, porque, porque já não me identifico com as saídas, com aquelas tardes e noites inteiras a conversar nas casas uns dos outros.
Até mesmo daquela vez em que ele me empurrou quando nos desentendemos. Aquilo foi um impulso. Ele mesmo me disse que tinha sido sem querer. E que não voltava a acontecer. E não voltou claro. Um apertão no braço ou um olhar mais severo, isso são códigos nossos para que eu entenda se não me estou a comportar como deve de ser, como ele espera que eu me comporte.
E depois, pra quê tanto alarido por causa do Natal? Não vamos andar a repartir nada, como é lógico. Ficamos na casa dos pais dele. Não percebo porquê a minha mãe não consegue entender que é o mais natural. E que se não há espaço para todos, então logo passo lá em casa dela quando voltarmos, pra lhe dar um beijo.

E vivendo à margem de tudo e de todos, Carla seguia o seu caminho solitário sem perceber que se isolava. Sem entender que os gritos, empurrões e apertões nos braços não eram normal. Como não era normal também que deixasse de ter família para passar a viver a família dele. Ou deixar de ter amigos para não viver amizade nenhuma - porque ele tinha ciúmes.
Seguia um caminho cada vez mais solitário. Porque o tempo que passavam juntos era cada vez menor. Como menor era a autoestima de uma mulher de 28 anos, sem perspetivas de vida e em fazer planos - deixava que fosse o Miguel a fazê-los. E ela limitava-se a segui-lo. Como era normal.



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