24/05/11

(A horas)


Lá vinha ela a descer em passo acelerado nas escadas de madeira pesadas que a arrancavam das águas furtadas num prédio antigo de Lisboa.
Não se queria atrasar para não o atrasar.
Era o ponto alto do dia. E era de manhã. Logo, deixava-a bem disposta para que tudo o resto corresse bem.
Nem se conseguia lembrar quando foi a primeira vez. Desde há umas semanas que todos os dias, às 8h10, ela tirava o carro do lugar onde estava estacionado e ele, logo de seguida lá estacionava o Clio cinzento e seguia para o escritório dois prédios à frente.
De uma segunda ou terceira vez houve um aceno de agradecimento.
Mais tarde, trocaram olhares e depois sorrisos.
Tentava imaginar qual seria o seu nome. No seu imaginário correu uma série deles. Ficou-se por Hugo - um nome curto e determinante.
Chovia bastante naquela sexta feira. Antes de se aventurar à chuva procurou o Clio com o olhar. Não o encontrou em segunda fila no lugar atrás do seu carro como era costume. Sentiu-se gelar. A humidade do ar conseguiu contagiar o espírito alegre e saltitante com que descera a escada. Esperou e foi contando os segundos. E depois os minutos. Desolada, decidiu sair. Não podia esperar mais - não pelas horas, mas porque queria ultrapassar aquela ansiedade.
Ao passar a porta abrigou-se nas varandas e de cabeça baixa tentava proteger-se das gotas de chuva quando embate em alguém de quem se tenta desviar mas que lhe segura o braço.
- Há tempo para um café?
De chapéu aberto, como se a quisesse confortar, ali estava ele à sua espera, decidido a tornar aquele encontro pontual e periódico em algo mais do que uma deixa de estacionamento.

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